«Quem viu morrer Catarina<br>não perdoa a quem matou»

Quem acom­pa­nhou o tra­ta­mento na im­prensa dos 30 anos da morte de Zeca Afonso com cer­teza se de­parou com a capa que o jornal i fez sair para as bancas no dia da efe­mé­ride. Em le­tras gar­ra­fais: «O cantor re­vo­lu­ci­o­nário que nunca quis ser co­mu­nista.»

A ver­dade é que o an­ti­co­mu­nismo tem mar­cado o i, par­ti­cu­lar­mente desde o final de 2015. Porque este não é caso único: o jornal não tem per­dido opor­tu­ni­dade para chamar à pri­meira pá­gina tudo o que posso con­tri­buir para mis­ti­ficar a pos­tura do PCP pe­rante a si­tu­ação po­lí­tica ac­tual. Fê-lo, por exemplo, com a en­tre­vista a João Duque, ca­va­leiro do apo­ca­lipse dos tempos do go­verno do PSD e do CDS, apenas três dias antes.

De todas as capas do i de 1 a 24 de Fe­ve­reiro, o PCP é re­fe­rido quatro vezes, nunca pela óp­tica da sua ini­ci­a­tiva pró­pria, mas pelo que dizem, querem ou pensam ou­tros. Em cinco en­tre­vistas em pouco menos de um mês, duas delas ser­viram para o jornal citar em pa­ran­gonas frases su­ge­rindo o pe­rigo que re­pre­senta o PCP para a so­lução po­lí­tica.

Na questão em causa, o i faz um truque ao dar o salto dos factos (Zeca Afonso não era co­mu­nista) para a his­tória que quis cons­truir em torno de uma fi­gura cen­tral para mú­sica e a cul­tura por­tu­guesas do sé­culo XX. O re­cheio com­prova-o, já que da tese só sobra o tí­tulo.

A pró­pria obra des­mente essa su­posta alergia aos co­mu­nistas, já que é deles que falam vá­rios dos po­emas que es­creveu e mu­sicou. Se dú­vidas so­brarem, é lem­brar «A morte saiu à rua», «Cantar alen­te­jano» ou «Na Rua An­tónio Maria»: é que José Dias Co­elho e Ca­ta­rina Eu­fémia, cujos as­sas­si­natos pelo fas­cismo são re­tra­tados nas duas pri­meiras, eram mi­li­tantes co­mu­nistas, como é Con­ceição Matos, cuja prisão pela PIDE mo­tivou Zeca a es­crever o poema da úl­tima. Ou po­demos ainda lem­brar, já de­pois do 25 de Abril, a sua pas­sagem pela Festa do Avante!, em 1980.

Mas o pró­prio falou sobre as di­ver­gên­cias que man­tinha com o PCP, em 1980, em en­tre­vista ao ex­tinto jornal se7e. Dizia Zeca: «Julgo que o PCP tem po­si­ções mais cor­rectas que o PS quanto a ques­tões fun­da­men­tais, exac­ta­mente como a Re­forma Agrária. E mesmo na po­lí­tica in­ter­na­ci­onal, no que res­peita a África.» Ou seja, o i diz que «nunca quis ser co­mu­nista»; po­demos dizer, com mais ver­dade, que nunca quis ser do PS.

A nuvem de fumo lan­çada por um tí­tulo, pro­cu­rando trans­formar a de­cisão de não mi­litar no PCP em di­fe­renças in­sa­ná­veis, numa re­lação dis­tante e con­fli­tuosa, não passa no exame dos factos. O que estes mos­tram é, pelo con­trário, que a sua não-adesão ao PCP nunca im­pediu que sempre man­ti­vesse, co­e­ren­te­mente, uma po­sição fir­mada nos va­lores de Abril, que par­ti­lhava com o Par­tido.

A apro­pri­ação de uma fi­gura que deu, através da mú­sica mas não só, um im­por­tante con­tri­buto para a luta contra o fas­cismo – desde os tempos em que o PCP era o único par­tido que a tra­vava – e para a cons­trução do Por­tugal de Abril, como um ícone an­ti­co­mu­nista é um sin­toma de uma ten­ta­tiva gro­tesca de re­es­crita da His­tória. Mas o que esta nos mostra é que Zeca Afonso es­teve sempre no com­bate aos in­te­resses que animam ma­ni­pu­la­ções como esta.

 



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